A terça-feira (28) amanheceu em clima de guerra no Rio de Janeiro. A megaoperação das forças de segurança estaduais — batizada de Operação Contenção — transformou os Complexos do Alemão e da Penha em verdadeiras zonas de conflito. A ação, considerada a maior já realizada na história fluminense, foi deflagrada com o objetivo de cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes da facção Comando Vermelho (CV).
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Segundo o governo estadual, cerca de 2.500 agentes foram mobilizados. No entanto, o saldo rapidamente extrapolou qualquer expectativa: a Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou, na manhã desta quarta-feira (29), que o número de mortos já passa de 130, sendo 128 civis e quatro policiais. Com isso, a Operação Contenção se torna a mais letal da história do estado — superando massacres como o do Jacarezinho (2021) e até mesmo o episódio do Carandiru (1992), em São Paulo.
“Baixa de guerra”: corpos a céu aberto e escolas fechadas

A madrugada que seguiu à operação foi marcada por cenas de desespero. Moradores relataram que mais de 70 corpos foram retirados por civis de áreas de mata no Complexo da Penha, levados até uma praça da região. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou em entrevista coletiva que abrirá investigação por fraude processual contra quem participou da remoção dos corpos.
“Esses indivíduos estavam na mata, equipados com roupas camufladas, coletes e armamentos. Agora, muitos deles surgem apenas de cueca ou short, sem qualquer equipamento — como se tivessem atravessado um portal e trocado de roupa. Temos imagens que mostram pessoas retirando esses criminosos da mata e os colocando em vias públicas, despindo-os”, afirmou Curi.
Apesar das críticas, o secretário classificou a operação como um duro golpe contra o tráfico: “Foi o maior baque que o Comando Vermelho já tomou”, declarou. Enquanto isso, a Praça da Penha amanheceu tomada por corpos, cobertos por lonas improvisadas, enquanto familiares tentavam fazer o reconhecimento.
“Nem em ataques de um país a outro há tantas baixas em um único dia. Isso é baixa de guerra”, disse a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, que solicitou informações ao governo estadual sobre o planejamento da operação e as medidas de proteção a moradores e crianças.
A violência teve reflexos diretos na rotina das comunidades: 48 escolas municipais, 35 estaduais e cinco universidades suspenderam as aulas. Além disso, 204 linhas de ônibus foram paralisadas ou alteradas.
Cláudio Castro e o embate político com o governo federal
O governador Cláudio Castro (PL) classificou a operação como “um sucesso, tirando as mortes dos policiais”, e afirmou estar “sozinho” no enfrentamento ao crime organizado, criticando a ausência de apoio do governo federal e a não decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Em resposta, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou que nenhum pedido formal de GLO foi feito pelo estado. O Palácio do Planalto reforçou que as Forças Armadas só podem atuar mediante decreto presidencial e que o governo federal vem apoiando o Rio com dados e recursos, incluindo 11 renovações da Força Nacional de Segurança e R$ 174 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública ainda disponíveis para uso do estado.
Nos bastidores, integrantes do governo federal avaliam que a megaoperação teve viés político-eleitoral, buscando reforçar a imagem de “mão dura” de Castro diante da crise de popularidade do bolsonarismo no estado e do favoritismo do prefeito Eduardo Paes (PSD) nas projeções para 2026.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, se reuniram, na tarde desta quarta-feira, no Palácio Guanabara, na capital fluminense, para tratar sobre os desdobramentos da Operação Contenção. Após o encontro privado, as autoridades anunciaram em conjunto a criação de um escritório emergencial de enfrentamento ao crime organizado.
Operação Contenção x Operação Carbono Oculto: duas estratégias opostas
A deflagração da Operação Contenção ocorre exatos dois meses após a Operação Carbono Oculto, realizada em 28 de agosto, em São Paulo. Ambas tinham o mesmo propósito — enfraquecer o narcotráfico —, mas seguiram caminhos opostos.
A Carbono Oculto, conduzida por uma força-tarefa que reuniu Polícia Federal, Polícia Civil, Receita Federal e Ministérios Públicos Estadual e Federal, não disparou um único tiro. A operação mirou o Primeiro Comando da Capital (PCC) e desarticulou um esquema de lavagem de dinheiro bilionário no setor de combustíveis, movimentando mais de R$ 50 bilhões entre 2020 e 2024.
Já a Contenção, no Rio, teve foco em território: prender lideranças e retomar áreas controladas pelo Comando Vermelho. Enquanto em São Paulo as investigações atingiram o “coração financeiro” do crime organizado, no Rio a operação apostou na força bruta — eliminando uma liderança que, segundo especialistas, logo será substituída.
Apesar das declarações oficiais, organismos de direitos humanos e entidades civis apontam graves irregularidades e cobram transparência. A Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos do Senado pediram a identificação das vítimas, informações sobre eventuais execuções sumárias, remoção de corpos por civis e protocolo de rendição.
Para o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI-UFF), responsável por monitorar a violência policial no estado, a Operação Contenção “não pode ser considerada um sucesso”, pois sua letalidade “coloca em xeque qualquer resultado prático”.





